Sexta-feira, 8 de Agosto de 2008
Língua |
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Gosto de sentir a minha lígua roçar A língua de Luís de Camões Gosto de ser e de estar E quero me dedicar A criar confusões de prosódias E uma profusão de paródias Que encurtem dores E furtem cores como camaleões Gosto do Pessoa na pessoa Da rosa no Rosa E sei que a poesias está para a prosa Assim como o amor está para a amizade E quem há de negar que esta lhe é superior E deixa os portugais morrerem à míngua "Minha pátria é minha língua" Fala mangueira! Fala! Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode Esta língua? Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas E o falso inglês relax dos surfistas Sejamos imperialistas Vamos na velô da dicção choo choo de Carmen Miranda E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate E - xeque-mate - explique-nos Luanda Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo Sejamos o lobo do lobo do homen Adoro nomes Nomes em à De coisas como Rã e Imã Nomes de nomes Como Scarlet Moon Chevalier Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e maria da Fé e Arrigo barnabé Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode Esta língua? Incrível É melhor fazer um canção Está provado que só é possível Filosofar em alemão Se você tem uma idéia incrível É melhor fazer um canção Está provado que só é possível Filosofar em alemão Blitz quer dizer corísco Hollyood quer dizer Azevedo E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo Meu medo! A língua é minha pátria E eu não tenho pátria: tenho mátria E quero frátria Poesia concreta e prosa caótica Ótica futura Samba -rap, chic-left com banana Será que ela está no Pão de Açúcar? Tá craude brô você e tu lhe amo Qué queu te faço, nego? Bote ligeiro Nós canto-falamos como que inveja negros Que sofrem horrores no gueto do Harlem Lívros, discos, vídeos à mancheia E deixe que digam, que pensem e que falem |
Terça-feira, 22 de Janeiro de 2008
Tenho saudades
do tempo em que
o mundo era pequeno.
Era só ali.
E eu cabia nos ramos
das acácias
e não sabia do longe que existia.
só do perto
que sentia.
Andrea Paes (Moçambique - contemporânea)
Domingo, 13 de Janeiro de 2008
O relógio na parede
Minha cidade em ruínas
E o relógio ainda na parede
Nossa vizinhança em ruínas
E o relógio ainda na parede
A rua em ruínas
E o relógio ainda na parede
A praça em ruínas
E o relógio ainda na parede
A casa em ruínas
E o relógio ainda na parede
A parede é já uma ruína
E sobre os seus escombros
O tiquetaque
do relógio.
Samih al-Qasim
traduzido da versão em inglês por Oscar Mourave.
Sábado, 15 de Abril de 2006
Canção
Dizem que esta cidade tem dez milhões de almas
Umas vivem em palácios, outras em mansardas;
contudo não há lugar para nós, minha querida, não há lugar para nós.
Uma vez tivemos uma pátria e julgávamos que era bela.
Olha para o mapa e lá a encontrarás;
mas não poderemos regressar tão cedo, minha querida, não podere-
mos regressar tão cedo.
O cônsul deu um murro na mesa e disse:
se não têm passaportes estão oficialmente mortos;
mas nós ainda estamos vivos, minha querida, ainda estamos vivos.
Lá em baixo no adro um velho teixo
todas as primaveras floresce de novo:
e os velhos passaportes não florescem, minha querida, os velhos
passaportes não florescem.
Fui a um comissariado e ofereceram-me uma cadeira.
disseram polidamente para voltar no ano seguinte:
mas onde iremos agora, minha querida, onde iremos agora?
Fui a um comício público; o orador levantou-se e disse:
se os deixarmos cá dentro, roubar-nos-ão o pão de cada dia;
estava a falar de mim e de ti, minha querida, a falar de mim e de ti.
Ouves um ruído como um trovão roncando no céu?
É Hitler sobre a Europa dizendo: «Eles têm de morrer!»
Nós estávamos no Seu pensamento, minha querida, estávamos no
Seu pensamento.
Vi um cão de luxo de jaqueta apertada com um alfinete
vi uma porta aberta e um gato entrando;
mas não eram judeus alemães, minha querida, não ale-
mães.
Desci ao porto e parei no cais
vi os peixes a nadar. Como são livres!
a dez pés de distância, minha querida, só a dez pés distância
Passeei pelo bosque; há pássaros nas árvores,
não têm políticos e cantam livremente.
Não são da raça humana, minha querida, não são da raça humana
Sonhei que vira um edifício com mil andares
mil janelas e mil portas;
nenhuma delas era nossa, minha querida, nenhuma
Corri à estação para apanhar o expresso,
pedi dois bilhetes para a Felicidade;
mas todas as carruagens estavam cheias, minha querida, todas as
carruagens estavam cheias.
Fui parar a uma grande planície, no meio da neve a cair
dez mil soldados marchavam de um lado para o outro
olhando para mim e para ti, minha querida, olhando para mim e
para ti.
W. H. Auden
(1907-1973)
Reino Unido
TRAD.:Jorge Emílio
Rosa Do Mundo
2001 POEMAS PARA O FUTURO
Assírio & Alvim
Domingo, 5 de Março de 2006
Não é o coração
Não é o coração
mas esta carne
em seu rumor.
Não é o coração
mas teu silêncio
de intenso furor.
Não é o coração
mas as mãos
sem corpo, vazias.
Na grave melodia
de um instante
tu e eu
em desequilíbrio
na infame
consistência
de um absoluto
obstáculo.
Ana Marques Gastão
Nocturnos
Canções com palavras
Gótica
2002
Quinta-feira, 2 de Março de 2006
Auto-retrato
Para onde quer que vá
já lá estive
o que quer que faça
não posso decidir
quem quer que eu ame
é uma parte
por muito que morra
fico com vida
Eva Christina Zeller
Sigo a Água
Tradução e prefácio de
Maria Teresa Dias Furtado
Relógio d´Água
1996
Do Poema
O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas vegetação. Nem
tão- pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes -
o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.
Casimiro de Brito
Ode & Ceia
Poesia
1955-1984.
Reflexos
Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite
E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.
Ana Luísa Amaral
In Anos 90 e Agora
Quasi Edições
A porta branca
Por detrás desta porta,
uma de todas as portas que para mim se abrem e se fecham,
estou eu ou o universo que eu penso.
Deste meu lado, dois olhos que vigiam
os fenómenos naturais, incluindo a celeste mecânica
e as sociedades humanas, sedentárias e transumantes.
Mas podem os olhos fazer a sua enumeração,
e pode o pensado universo infindamente ir-se,
que para mim o que hoje importa
é aquela olhada vaga porta.
Que ela seja só como a vejo, a porta branca,
com duas almofadas em recorte,
lançada devagar sobre o vão do jardim,
onde o gato, por uma fenda aberta
pela sua pata, tenta ver-me,
tão alheio a versos e a universos.
Fiama Hassa Pais Brandão
Cena Vivas
Relógio d´Água
Fiama Hasse Pais Brandão
Sábado, 25 de Fevereiro de 2006
Explicação da ausência
Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer fosse abertura
E a saudade é tudo ser igual.
in Explicação das árvores e de outros animais, Fundação Manuel de Leão, 1998